Existe coisa que só se aprende vivendo. Para mim, ouvindo. Aprendi sobre dependência emocional – mesmo antes de ter conhecimento sobre o termo – ouvindo uma composição de Vinicius de Moraes e Carlos Lyra. A música diz,
“Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho seja triste pra você
Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho”
O que me chama a atenção nesse trecho em específico é a frase: “os seus olhos têm que ser só dos meus olhos”. Um convite poético e inebriante, que quase deixa escapar o perigo contido. Um bilhete de entrada para um mundo no qual só cabe um, mesmo quando são dois o habitando. E não é exatamente assim que se vive uma relação de dependência emocional? Explico.
Retomando o conceito de conflito interno – apresentado em texto anterior –, é possível analisar como o sentimento de insegurança é produzido na psique. Quando o sujeito carrega consigo pensamentos relacionados à baixa autoestima, dúvida de si próprio quanto a sua capacidade e possibilidade de ser desejado. É nesse espaço de pensamento que o conflito psíquico conduz a ideia de que ao eu falta, de que não se é bom o suficiente. Ideias destrutivas do ego.
Contudo, isso não se mantém no mundo interno, no espaço do pensamento, principalmente quando estamos nos relacionando com um outro alguém. Toda essa confusão psíquica é projetada na relação.
Dependência de quem? Ao EU não falta nada
Existe coisa que só se aprende ouvindo, certo?! Bem, quando criança ouvi aquela velha história da metade da laranja. Teve também a da tampa da panela. Dessas histórias que avós contam, acreditado piamente que nos ajudam ao implementarem nas nossas cabeças, confusas e pulsantes, a ideia do amor que falta.
Ou, melhor dizendo, a ideia de que é preciso encontrar alguém que supra, preencha e complete um espaço faltoso. Encontrar alguém de quem se possa ser dependente, que acabe com a insegurança que assola o peito. Prato cheio para confusão.
A teoria de que ao Eu falta, precisa ser descontruída dentro de cada um de nós. Crescemos em uma sociedade que produz filme, música, novela e poesia que dizem de um amor que chega para nos tornar um EU completo.
Sem esse amor, então, seríamos faltantes. É trabalho importante e necessário confeccionarmos um novo modo de se relacionar, primeiramente consigo e depois com o outro. Mas, é trabalho árduo e demorado.
Começando do começo, do mais básico:
Ao EU não falta nada. Não falta um outro. Somos panela e tampa. A laranja completa.
Bastar-se, termo necessário para refletirmos sobre o amor e sobre dependência emocional. Um amor que se propõe a um novo modo de relação, distante daquela busca sofrida por um outro, que vem para nos salvar de nós mesmos. Um amor que, primeiramente, é voltado ao Eu.
Aquilo que conhecemos como insegurança, deve então ser trabalhada em nós mesmos, a partir da análise e da compreensão do que pensamos faltar – aquilo que você, provavelmente, busca no outro quando se relaciona. Não é possível preencher-se do outro e é por isso que, quando finalmente encontramos em uma relação aquilo que nos “falta”, – me refiro aqui a qualidades, posicionamento, comportamento –, ainda assim continuará a faltar.
Vez ou outra, quando apaixonados, temos a sensação de ter encontrado alguém que tampe todos nossos buracos existenciais. Isso passa, a gente bem sabe que passa. O que reafirma a tese de que é preciso bastar-se.
Mas, e quando não parece ser possível ser um Eu inteiro sozinho? O que isso significa?
Insegurança + dependência emocional = relacionamento abusivo
Somos movidos pelo desejo. Movidos por sentir a vida pulsando e em movimento, pela busca e pelo encontro. Poucas experiências na vida são tão arrebatadoras quanto estar apaixonado. Porém, quando nos apaixonamos, fazemos do outro nosso objeto de desejo e isso pode acabar se tornando perigoso. Principalmente quando se coloca no outro a incumbência de nos manter vivos, desejantes, saudáveis.
Resumindo, nessa equação e nesse tipo de relação, só existe amor próprio e autoestima quando vejo o outro me amando e me desejando.
Quando um Eu não basta. Quando a insegurança extrapola. Quando só se sabe ser inteiro ao existir mais um por perto. Podemos estar vivenciando uma situação de dependência tão grande do outro, que o resultado é um relacionamento abusivo.
Todos nós somos, ao menos um pouco, inseguros. Por isso, nem sempre é fácil identificar quando acontece. Principalmente porque, um relacionamento abusivo, pode, no começo, se disfarçar de preocupação, de proteção e cuidado, de amor. Como saber então se minha insegurança extrapola o limite do aceitável ou se estou vivendo um relacionamento abusivo? Preste atenção nas seguintes questões:
Você se questiona se determinado comportamento ou ação é saudável/correto?
Você respeita o espaço do outro e é respeitado?
Você tem atividades e tempo livre que dedica para si próprio?
Seu círculo social e interação se restringe ao companheiro?
Entre tantas outras questões que poderia escrever aqui, essas são só algumas para as quais é necessário atentar-se. Seja quando somos nós mesmos que lidamos com a insegurança, seja o parceiro com quem nos relacionamos… É importante, para nosso desenvolvimento emocional, compreender e respeitar os espaços de cada um.
Uma relação não pode se sustentar quando o Eu não se sustenta sem um Outro.
O medo de estar sozinho, de ser insuficiente, não pode nunca nos manter em uma relação. Caso contrário, a infelicidade é certa. Não confunda proteção, cuidado, amor, com possessividade, invasão, desrespeito. Quando não se sabe viver sem o outro, é porque, na verdade, ainda não se aprendeu a viver consigo mesmo.
Por fim, cuide-se. Olhe para si, viva e deseje por você.
O outro importa, relacionar-se importa, mas é fundamental aprender a bastar-se, a saber viver por conta própria. É fundamental saber o que dói, o que nos afeta, o que nos torna inseguros. Assim, quando o amor chegar, será possível viver a experiência do relacionamento, sem o peso de sentir que é preciso do Outro para ser um Eu completo.