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Para Sanches (2002), o fracasso escolar é entendido como um processo que só existe no circuito do desânimo, acometendo apenas os setores populares, e se expressa por meio do baixo rendimento, da repetência, e da desistência – desistência esta não do aluno pela escola, mas da escola pelo aluno; uma forma de “expurgá-lo”.
Contudo, se o fracasso escolar de fato existisse tal como é concebido, poderíamos facilmente desmistifica-lo a partir dos dados que comprovam que a desigualdade escolar começa antes mesmo da criança ingressar na escola. A verdade, ao menos para mim, é que o que existe não é um fracasso escolar por parte do aluno, mas sim, um fracasso escolar do sistema de ensino. Sistema esse que pouco permite e conduz a criança a um pensamento crítico, pois segue de maneira rígida apostilas e livros conteudistas que pouco chamam a atenção dos alunos. O que torna pouco interessante o conteúdo que se aprende, fazendo com que a criança não consiga refletir e absorver o que vê em sala de aula.
As crianças que repetem tem o dobro de probabilidade de não terminar sua escolaridade básica. Mas, por que elas repetem? Porque seus professores acreditam que elas não aprenderam o que deveriam ter aprendido no ano letivo. As crianças que repetem são as que não se alfabetizaram no tempo e da forma que os professores consideram que elas deveriam ter feito. Os repetentes são provenientes dos setores mais vulneráveis da sociedade. O fracasso escolar depende da sua condição socioeconômica. O que prova que o fracasso escolar é na verdade decorrente do próprio sistema de ensino…
Mesmo entendendo o fracasso escolar como uma ideia fajuta do sistema capitalista – afim de culpabilizar o aluno e não ao sistema educacional que não está preparado para lidar com as realidades encontradas em sala de aula –, é necessário pensar como prevenir que isso continue acontecendo.
Para Sanches, a prevenção do fracasso escolar deve passar pela promoção e uso eficiente da leitura e da escrita. Vale lembrar que estar alfabetizado não quer dizer saber ler e escrever. “Saber ler é compreender o que se lê, e saber escrever é saber esculpir as ideias segundo as convenções da escrita; saber escrever não é simplesmente por no papel as coisas tal como se diz falando.” (p. 23).
Desde a invenção da escola, a responsabilidade desta é a de alfabetizar seus alunos. Mas quantos de nós podemos nos considerar, de fato, aptos a ler o mundo e escrever sobre ele?
No ano de 2019, o IBGE apresentou resultados de pesquisa sobre escolarização revelando que “no Brasil, a proporção de pessoas de 25 anos ou mais de idade que finalizaram a educação básica obrigatória, ou seja, concluíram, no mínimo, o ensino médio passou de 47,4%, em 2018, para 48,8%, em 2019”. Índices baixíssimos e que podem se tornar ainda mais alarmantes se colocássemos nessa conta o que nomeia-se de analfabetos funcionais.
Esse termo é utilizado para se referir aos adultos que são alfabetizados mas que possuem grande dificuldade na compreensão e aplicação de textos e conceitos.
Educação escolar: os desafios que ainda precisamos enfrentar
A democracia na educação não deve estar relacionada apenas a garantia ao acesso à escola, mas a garantia a um sistema de qualidade e a permanência nesse sistema, só assim será possível proporcionar uma real igualdade de oportunidade para as crianças que vivem de modo precário. Não obstante a isso, é preciso considerar como a pandemia afetou o processo de escolarização.
Com a pandemia do covid-19 as problemáticas relacionadas ao processo educativo se agravaram. Quem tem criança em casa sabe que a tentativa de dar continuidade às aulas com o ensino remoto não só foi complicada em termos de adaptação, como também, sobrecarregou famílias, professores e mostrou a discrepância que vivem os alunos de escolas públicas e privadas.
O método de ensino e as aulas expositivas têm sido frequentemente rechaçados por quem acredita que o ensino precisa de renovação. Atrelado a esse discurso está a noção de que devemos nos amparar na tecnologia para melhor receber as crianças que chegam, e que desde muito cedo são mediadas pelas telas. Mas aí também mora um problema…
O filósofo Christoph Turcke analisa essa questão ao comparar a dificuldade de concentração de crianças e adolescentes àquilo que se nomearia de déficit de atenção. Sobre alunos de ensino fundamental e ensino médio, o filósofo pontua que:
“São crianças que não conseguem se concentrar em nada, nem se demorar em algo, nem construir uma amizade, nem persistir em uma atividade coletiva, crianças que não concluem nada que começam. Elas são impelidas por uma agitação motora constante, não acham nenhum refúgio, nenhuma válvula de escape, e se transformam em estorvos constantes para escola, família e colegas. Não obstante, há um meio muito eficiente para deixá-las quietas. “Quando crianças que não podem ficar quietas, que movem os olhos para a direita e para a esquerda, procurando alguma coisa e evadindo-se, sentam-se diante de um computador, seus olhos tornam-se claros e fixos”, escreve o terapeuta infantil Wolfgang Bergmann. Elas se movimentam nos jogos e contatos on-line “com uma segurança de que não dispõem na chamada ‘primeira realidade’, no dia a dia de sua vida”.”
O que fica evidente após essa observação é que crianças e adolescentes, em idade escolar, tem sido hiper estimulados através do uso constante das telas: celulares, televisão, computador, tablet. Isso nos interessa aqui porque, em muitos casos, o diagnóstico que se faz de estudantes com transtorno de déficit de atenção é baseado na dificuldade de concentração do aluno em sala de aula. O mesmo aluno que em casa pode passar horas em frente ao computador jogando, por exemplo. Perceba que então não se trata de dificuldade de concentração, já que quando ambiente e estímulo são modificados, a criança consegue estabelecer o foco.
Não há como negar que existem sim muitos casos de TDAH, mas existem também muitas crianças sendo medicadas devido a um diagnóstico raso. Tendo isso em vista, precisamos entender que a tecnologia e a hiper estimulação em sala de aula, não são a saída do problema; eles nos arrastam de volta para a crise educacional, visto que o que precisamos de fato estimular nos alunos é a capacidade de concentração e foco, produzir e encorajar os estímulos que só acontecem a partir da interação humana, para que então consigamos vislumbrar um futuro melhor.
O processo de ensino-aprendizagem deve ser uma preocupação de todos nós, psicólogos, mães e pais, educadores, familiares. A escola é ainda uma das melhores possibilidades pelo meio da qual se faz possível desenvolver sujeitos críticos, pensantes e capazes de compreender e analisar os problemas do mundo.
Referências
SANCHES, Carlos. A escola, o fracasso escolar e a leitura. In: LODI, Ana Claudia Balieiro et al. (Orgs). Letramento e minorias. Porto Alegre, Mediação, 2002, p. 15-26.
TURCKE, Christoph. Cultura do déficit de atenção. Disponível em: https://www.revistaserrote.com.br/2015/06/cultura-do-deficit-de-atencao/