O que é dor pélvica crônica?
A pelve é a parte inferior do abdômen, aquela que começa no umbigo e fica ladeada pelos ossos do quadril. A região pélvica acomoda partes do sistema digestivo, do sistema urinário, os genitais e também componentes do sistema nervoso e muscular.
Quando uma dor persistente é sentida nessa região, pode-se estar diante de um problema tipicamente feminino conhecido como dor pélvica crônica. O gênero masculino também é afetado pela dor pélvica crônica, embora com uma frequência bem baixa.
A dor pélvica crônica não está relacionada ao período da menstruação, durante o qual a mulher sente dor aguda e que cessa. Na dor pélvica crônica a dor surge na região abaixo do umbigo e permanece de forma continuada, podendo durar seis meses ou mais.
Ela constitui uma disfunção debilitante, levando, por exemplo, a mulher a reduzir a atividade física, a andar mais vagarosamente, dando passos mais curtos. Surgem impactos negativos na vida conjugal, uma vez que a dor se intensifica durante as relações sexuais. A sensação dolorosa prolongada também contribui para a queda de produtividade no trabalho e na rotina social.
A dor pélvica crônica pode acontecer em associação com sintomas de ansiedade e depressão.
Um estudo conduzido em Ribeirão Preto (SP) mostrou que maus tratos na infância estiveram presentes em 77, 9% das mulheres portadoras de dor pélvica crônica e em 64,9% das mulheres sem o problema. Isso mostra que a negligência emocional enfrentada enquanto criança pode contribuir para o desenvolvimento de um quadro de dor pélvica crônica na fase adulta.
Prevalência da dor pélvica crônica
No mundo todo, a dor pélvica crônica afeta em torno de 24% das mulheres. No Brasil, em mulheres com idade entre 15 e 73 anos, a dor pélvica está presente em 3,8% delas, sendo um mal mais prevalente do que a enxaqueca.
Quando o grupo de estudo está restrito ao de brasileiras em idade reprodutiva, o percentual chega a 15,1%. Essa cifra é semelhante à porcentagem nos Estados Unidos para esse segmento: 14,7%.
Patogênese
Alguns estudiosos se referem à dor pélvica crônica como síndrome da dor pélvica crônica quando não são encontradas infecções ou outras patologias que possam estar provocando a dor. Por outro lado, problemas ginecológicos e não ginecológicos podem estar envolvidos em casos de dor pélvica crônica. Entre os distúrbios ginecológicos estão:
- dismenorreia (dor que ocorre em torno do período menstrual)
- miomas uterinos que causam sangramento
- endometriose (doença inflamatória crônica causada por tecido endometrial fora do útero)
- aborto provocado ou espontâneo.
Entre as disfunções não ginecológicas estão:
- constipação intestinal
- síndrome do intestino irritável
- cistite (inflamação da bexiga)
- presença de cálculos
- afastamento (diástase) do músculo abdominal em decorrência de parto vaginal
- aderências provocadas pela manipulação da cavidade abdominal durante cirurgias realizadas ao longo da vida
- somatização (quando sensações físicas se transformam na expressão de fenômenos mentais).
Independentemente da causa, geralmente a musculatura do assoalho pélvico de mulheres com dor pélvica crônica experimenta alterações.
Dor Pélvica Crônica | Localização | Sintomas |
---|---|---|
Inflamatório | Parte inferior do abdômen, pelve | Dor que não desaparece, sensibilidade, inchaço e/ou sangramento irregular. |
Neuropata | Parte inferior do abdômen, pelve | Dor em queimação, facada ou choque elétrico que pode se estender para a parte inferior das costas e/ou pernas. |
Visceral | Parte inferior do abdômen, pelve | Dor incômoda, cólicas e/ou espasmos, bem como disfunção intestinal ou da bexiga. |
Miofascial | Parte inferior do abdômen, pelve, quadris | Dor incômoda, sensibilidade profunda e áreas localizadas de aperto. |
Psicológico | Parte inferior do abdômen, pelve | Dor exacerbada por estresse ou outros problemas psicológicos. |
Como consequência, o tratamento fisioterápico parece ser uma intervenção adequada.
Fatores de risco
Fator de risco | Descrição |
---|---|
Endometriose | Uma condição na qual o tecido que normalmente reveste o útero é encontrado fora dele, muitas vezes causando dor e cólicas. |
Adenomiose | Uma condição em que o tecido endometrial cresce na parede muscular do útero, causando dor e cólicas. |
Miomas | Crescimentos não cancerígenos no útero que podem causar dor e infertilidade. |
Cistos ovarianos | Crescimentos semelhantes a bolsas nos ovários que podem causar dor e infertilidade. |
Doença inflamatória pélvica | Uma infecção dos órgãos reprodutivos que pode causar dor crônica. |
Síndrome do intestino irritável | Um distúrbio do intestino grosso que pode causar dor abdominal. |
Espasmos musculares | Contração repentina dos músculos abdominais e do assoalho pélvico que pode causar dor local e referida (à distância). |
Danos nos nervos | Dano ou irritação dos nervos na região pélvica podem causar dor crônica. |
Diagnóstico da dor pélvica crônica
Infelizmente a dor pélvica crônica é um problema pouco compreendido, de avaliação e diagnóstico difícil. São muitas as mulheres que não recebem o diagnóstico e atravessam anos sem um tratamento adequado. Há relato de caso de paciente que visitou vinte médicos até receber o diagnóstico.
Dor é uma manifestação do corpo de que algo não está adequado. Acontece que o problema que provoca dor na dor pélvica crônica pode ser uma inflamação em alguma víscera (intestino, ovários ou útero, por exemplo), mas também pode estar nos músculos e nas fáscias (membranas) que recobrem a parede abdominal ou mesmo nos ramos nervosos que trafegam por esses tecidos.
Quando em consulta, durante o exame físico é importante que o médico avalie o modo de andar de mulheres que se queixam de dor intermitente na pelve. Conforme exposto acima, portadoras de DPC têm marcha diferente daquelas não portadoras. Essa avaliação é feita com a mulher sentada e deitada e também se solicita a ela que faça movimentos específicos.
A palpação da parte inferior do abdômen pode revelar se as vísceras estão com tamanho maior do que o normal e se as alças intestinais estão distendidas. Usando as pontas dos dedos, o médico faz pressões de baixo impacto nas regiões lombar, abdominal, pélvica e perineal. Os exames de toque vaginal e toque retal, embora desconfortáveis, podem ser solicitados.
Se o médico suspeitar que a afecção tem um fundo neurológico, esse solicitará um exame neurológico global. Durante esse exame, o neurologista irá questionar a paciente tanto sobre seus sintomas quanto sobre alguns aspectos da sua vida. Também vai conduzir uma avaliação física com objetivo de saber se as respostas neurológicas da paciente equivalem a respostas padronizadas e não a desvios da normalidade.
Diagnóstico diferencial
Possibilidades incluem:
Diagnóstico | Explicação |
---|---|
Endometriose | Condição na qual o tecido que normalmente reveste o útero cresce fora do útero, geralmente causando dor pélvica e dismenorreia. |
Cistos ovarianos | Formação de bolsas cheias de líquido nos ovários, que podem causar dor, pressão e desconforto na região pélvica. |
Cistite intersticial | Caracterizada por dor na bexiga e sintomas de frequência e urgência urinária, causados por inflamação da parede da bexiga. |
Miomas Uterinos | Tumores benignos da parede muscular do útero, resultando em cólicas e dor pélvica. |
Síndrome de Congestão Pélvica | Condição causada por veias varicosas na pelve, que causam desconforto pélvico, dor e desconforto. |
Disfunção musculoesquelética | Perturbação das estruturas musculares e esqueléticas da pelve, levando à dor crônica. |
Aderências abdominais | Tecido cicatricial que une os órgãos no abdômen, resultando em dor pélvica, cãibras e outros sintomas. |
Vulvodinia | Dor crônica na vulva causada por etiologia desconhecida, levando a sensações de queimação, coceira e dor. |
Cirurgia laparoscópica para avaliar endometriose
Até pouco tempo, a cirurgia laparoscópica era usada como um procedimento para diagnosticar endometriose em mulheres que se queixavam de dor na região pélvica, mas não apresentavam nenhuma outra razão aparente.
Depois a laparoscopia evoluiu, passando a ser um procedimento associado a um sistema de vídeo. Desde então, ela vem sendo usado como método de investigação de disfunções pélvicas.
Porém, uma revisão da literatura indica que 40% dos casos de dor pélvica crônica em que se usou laparoscopia, não foi encontrada nenhuma alteração pélvica. Portanto, esse é um sinal para se dar importância aos fatores não ginecológicos associados à dor pélvica crônica.
Sob a influência de múltiplos fatores, não é surpresa que a causa da dor varie. Em torno de 16% a 31% dos casos de dor pélvica crônica, a causa está na chamada síndrome da congestão pélvica. Nesse transtorno, o sangue se acumula nas veias que passam pela pelve.
As veias se dilatam, se entrelaçam e formam varizes. A dor miofascial, aquela sentida no assoalho pélvico e na musculatura da parede abdominal, também pode se apresentar como causa primária.
A tecnologia digital vem revolucionando o setor de diagnóstico médico. A ressonância magnética funcional, por exemplo, está sendo testada como uma ferramenta a mais no conhecimento da dor pélvica crônica.
Avaliações através de neuroimagens mostram diferenças estruturais e funcionais entre os cérebros de mulheres afetadas por dor pélvica crônica (com endometriose associada ou não) e os cérebros de mulheres não afetadas. Essas diferenças sugerem que existem mecanismos patofisiológicos por trás da dor pélvica crônica, os quais ainda são desconhecidos pelo corpo clínico atual.
Tratamento da dor pélvica crônica
De natureza complexa, idealmente a dor pélvica crônica deve ser abordada por equipe multidisciplinar, ou seja, por um corpo composto de médicos, psicólogos e fisioterapeutas.
Quanto à clínica médica, são geralmente prescritos analgésicos para alívio imediato da dor, estejam esses associados ou não a relaxantes musculares. Após a avaliação de cada caso, procedimentos de reabilitação e neurocirúrgicos podem ser indicados.
Uma vez que a tensão emocional acarreta hiperatividade e tensão na musculatura abdominal, a psicoterapia e/ou terapia ocupacional ganha relevância no tratamento. O propósito dessa abordagem é ajudar a paciente a lidar com os fatores desencadeantes de emoções negativas.
A fisioterapia não promove a cura da dor pélvica crônica, mas atua no alívio da dor. É importante ressaltar que a melhora é gradual, sendo imprescindível que a mulher persista, aderindo ao programa que lhe foi indicado sem interrupções. Durante o tratamento fisioterápico, após a avaliação do caso, podem ser disponibilizados:
- massagens
- liberação dos pontos de tensão muscular
- treinamento para respiração diafragmática
- exercícios de alongamento e exercícios terapêuticos
- eletroterapia
- hidroterapia
- reeducação postural
- acupuntura
Quanto ao tratamento cirúrgico, pesquisas que acompanham pacientes mostram que esse tem pouco efeito.
No caso da dor pélvica crônica causada por endometriose, estudos indicam que de 20% a 28% das mulheres operadas não experimentam melhora na dor. Muitas delas precisam se submeter a novas cirurgias.
Referências
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